25 de junho de 2021
O conhecido jurista Lenio Streck, crítico ferrenho do ensino jurídico do Brasil, resolveu citar o também conhecido guru dos concursos, Willian Douglas, em um dos seus textos.
Willian não gostou nem um pouco disto, e resolveu escrever um texto de volta questionando alguns posicionamentos do Dr. Lenio.
Vale muito a leitura:
Lenio x Lenio: Uma resposta às reiteradas indelicadezas do Dr. Streck
Caro Pedro Ernesto,
Eu não havia lido o artigo no qual Lenio, através de link, me cita. Não fosse sua indagação, não teria sabido. Em geral, o silêncio é uma boa resposta. Fernando Pessoa disse: “Existe no silêncio uma tão profunda sabedoria que às vezes ele se transforma na mais perfeita resposta”. Um bom conselho.
No entanto, em consideração a você, responderei, elaborando uma das respostas que poderiam ser dadas às referidas críticas. Preste atenção: fiz duas respostas para você e duas para o Lenio. Hoje posto apenas as versões curtas, mas tendo tempo, postarei também as versões longas.
Por fim, caro Pedro, observe que, como já conheço o Lenio há bastante tempo, as respostas seguem um tom mais pessoal. Não fosse isso, o discurso deveria ser um pouco mais formal. O tom pessoal pode passar a impressão de mágoa (o que não é o caso) e sujeitar o emissor da resposta à crítica, mas uma resposta formal ignorando o contato pessoal é igualmente perigosa: o mundo precisa de mais amizade e interação. Ignorar seus conhecidos é um caminho de isolamento entre a ideia e a pessoa, e isso eu não aprecio. A solução que sigo é assumir que se conhece a pessoa e, em paralelo, dar as respostas técnicas que cabem.
Espero que aproveite as duas cartas de agora e, posteriormente, as demais. Atenciosamente, William Douglas
“O mestre é o homem que não manda; aconselha e canaliza, apazigua e abranda; não é a palavra que incendeia, é a palavra que faz renascer o canto alegre do pastor depois da tempestade; não o interessa vender, nem ficar em boa posição; tornar alguém melhor – eis todo o seu programa.” Agostinho da Silva
“Seja humilde, e permanecerás íntegro, Curva-te, e permanecerás ereto, Esvazia-te, e permanecerás repleto, Gasta-te, e permanecerás novo.O sábio não se exibe, e por isso brilha.Ele não se faz notar, e por isso é notado.Ele não se elogia, e por isso tem mérito.E, porque não está competindo, Ninguém no mundo pode competir com ele.” Lao Tsé
Caríssimo e querido Lenio,
Lendo os comentários de um leitor na minha página, o mesmo me fez a seguinte indagação: “O que achou dessa crítica do Lenio Streck_Oficial dirigida ao senhor?” (disponível aqui).
O artigo citado, na parte que trata do meu trabalho, diz:
“De que adianta uma nova Constituição se, nos concursos públicos para as carreiras que a irão aplicar, são feitas perguntas que não passam de pegadinhas e exercícios de memorização, sem falar nos Caios, Tícios, teorias da graxa, pamprincípios, hiperbolismos etc.? Chegamos a este ponto: técnicas de [‘’chutes para concursos. Tem muito disso (aqui). E ensinam crime tentado com ‘beijinho no ombro’ (aqui). Tem até um professor (que também é juiz) que inventou a técnica do chute consciente. Bingo. O Brasil é demais. Afora tudo o que mostrei na coluna sobre a concursocracia e a teoria da graxa, descubro a cada dia coisas novas, como Jusjitsu – a arte do concurseiro. É, de fato, precisamos de uma NCF… Para nela fazer constar um dispositivo para impedir esse tipo de coisa. Repito: a culpa é da Constituição? Do CPP? Do NCPC? Do ‘badanha’? Do ‘bispo’?”
O texto de sua coluna contém link que remete o leitor a meu artigo e foto, pelo que, indagado por aluno, senti-me levado a responder às críticas. É que o silêncio pode ser interpretado equivocadamente como anuência.
Primeiramente, não concordo com o modo como trata os colegas professores universitários e esquece a parte do MEC, OAB e IES no problema do ensino jurídico.
Penso que o tratamento nominal seja ao menos elegante. Eu tenho nome, e você me conhece. Eu não sou “até um professor (que também é juiz)”; sou o sujeito com quem você já esteve várias vezes, que já bebeu vinho ruim com você porque o evento era longe e o restaurante não tinha nada melhor. Amigo ou desconhecido, é elegante citar o nome da pessoa. Não que me importe tanto a acidez, ela é corriqueira em seus textos, apenas penso que causa mal à saúde e ao coração. Vamos falar do mérito.
Quem não precisou de ajuda para passar em concursos merece um aplauso, mas não deveria ficar incomodado quando outro professor ajuda quem precisa, já que é parte do nosso ofício.
Eu não sou quem “inventou a técnica do chute consciente”. Eu sou quem criou/ sistematizou toda uma metodologia, há 19 anos. O assunto é hoje ensinado por dúzias de professores e tema de dúzias de livros. Milhares de pessoas imputam ao meu método a sua aprovação. O nome popular de meu livro é Como Passar em Provas e Concursos (Editora Impetus, 29ª edição), que é o primeiro, e, ainda hoje, o mais completo sobre o tema. Eu o fiz ao seguir o conselho de Jesus, que diz: “Trate o próximo como gostaria de ser tratado”. Precisei de ajuda quando quis passar em concursos e não a obtive. Seguindo a lição de Jesus e usando meu conhecimento, resolvi fazer o que ninguém fizera antes: ensinar técnicas de estudo para passar em concursos. Daí surgiram as palestras e o livro, não sem sofrer a ironia e escárnio de habitantes das mais altas estações do conhecimento. Aliás, seu nome é um dos que constam na dedicatória, avise se isso o incomoda para, a partir da próxima edição, retirá-lo e não constranger o amigo.
Tenho muita alegria por ser o autor de um livro que atende igualmente a ricos e pobres, a intelectuais e a quem está apenas começando. Ele já vendeu mais de 700 mil exemplares em suas diversas versões. Não recebi até hoje reclamação de nenhum leitor que tenha se sentido ludibriado ou que tenha dito que as técnicas não funcionam. Não creio que se meu trabalho fosse fantasia, quimera ou charlatanismo teria chegado a 20 anos no mercado e a esses números. Mais que eles, tenho os depoimentos de milhares de pessoas que imputam às minhas técnicas seu sucesso. Técnicas tão ridicularizadas pelos doutos, mas que servem a quem precisa. Eu me preocupo com alunos, por mais que essa atitude incomode a alguns, o que considero efeito colateral tolerável diante do bem que faço.
Os intelectuais das universidades podem sugerir algo de concreto para melhorar os concursos em vez de ficarem ironizando quem está ajudando os alunos a enfrentar, quando ocorrem, as ridículas pegadinhas e decorebas. Lamento muito que a culpa caia nos professores de cursos preparatórios e nos autores de livros práticos. A culpa não é nossa, mas das bancas. Elas é que criam questões bizarras! Nós só criamos as soluções para nossos alunos terem sucesso.
Felizmente, temos muitas bancas sérias e trabalhando bem, evoluindo, fazendo seu trabalho de forma correta e digna. Concordo com você, quando critica as perguntas imbecis, mas discordo de sua crítica aos livros, aulas e técnicas que são apenas o subproduto do problema real. Enquanto existirem concursos, as técnicas ensinadas no meu livro e congêneres serão extremamente úteis tanto para resolver questões imbecis quanto bem formuladas.
Enquanto existir concurso com questões de múltipla escolha, e a menos que o candidato saiba 100% do conteúdo (o que recomendo), se houver questão que não saiba, será muito útil conhecer as técnicas de chute. Provas de múltipla escolha, aliás, também ocorrem em outros países, não estamos diante de um problema unicamente do Brasil ou de uma “jabuticaba”.
Você retoricamente indagou de quem é a culpa. A culpa, Lenio, é de quem faz os editais e elabora as provas. A culpa é do MEC, da OAB, das direções das IES públicas, dos donos das IES privadas. Fico espantado com você perguntar de quem é a culpa, mesmo retoricamente. Existindo uma resposta evidente, é um desserviço culpar os inocentes. Você ataca sarcasticamente os professores de memorização e que ensinam a chutar, e os de JUS-JITSU. Seu texto, de liliputiana lhaneza, com seu tom nanoeducado, salva o “badanha” e ataca os professores que estão fazendo o trabalho que lhes cabe.
Outra coisa: nem todo mundo precisa saber Direito no nível que sabemos, amigo. Há concursos para cargos e níveis em que os candidatos só precisam saber o básico. Quem apoiaria a crueldade de, em um concurso para nível médio, não existirem livros adequados para o concurseiro estudar? Friso isso: há uma parte dos livros simplificados, esquematizados e resumos que é e sempre será adequada. Errado será se as bancas exigirem para um técnico de nível médio o mesmo conhecimento (logo, o mesmo livro) que se exige para uma pós-graduação ou concurso para as carreiras do MP ou da magistratura.
Popularmente falando, “não se mata passarinho com canhão”. Acho ótimo a academia produzir saber jurídico extremamente aprofundado e filosófico, mas guardemos esse saber para os lugares em que ele cabe. Nem sempre é dos acadêmicos que saem os melhores operadores do Direito. A imersão em um universo abstrato às vezes impede que o profissional veja e aprenda a lidar com o mundo como ele realmente é.
Como diz Renato Russo, “prefiro gastar meu tempo amando quem me ama do que odiando quem me odeia”. Isso também vale para meu trabalho. Entretanto, como você insiste tanto em falar mal do nosso trabalho, um dia a gente precisa responder. Esse dia é hoje.
Talvez o colega não tenha se dado ao trabalho de ler as ressalvas que faço no artigo de minha autoria cujo link foi inserido em seu artigo. Sugiro que faça. Eis aqui:
“Antes de começar, é importante fazer algumas ressalvas. A atitude correta diante de uma questão que não se sabe não é a tensão, o nervosismo, o desespero ou coisa semelhante. A primeira atitude é se prometer sinceramente que vai estudar mais para não passar tão facilmente por essa situação na próxima prova.
O ‘chute’ não é uma ciência exata e não substitui a preparação, é apenas uma alternativa para, na falta do conhecimento necessário, arriscar uma resolução. Reforço, o ‘chute’, por mais consciente que seja, não substitui o estudo. Além disso, nem sempre a resposta certa será aquela que a ‘técnica do chute’ indicar. Estamos lidando com tendências, chances, tentativas de acertar. Dito isso, vamos a alguns novos conceitos” (grifos meus, neste dia).
E encerro o artigo dizendo:
“Estude com afinco, prepare-se da melhor maneira possível e lembre-se do lema do BOPE: ‘Treinamento duro, combate fácil’. Na preparação para os concursos, quanto mais você treinar, fizer questões e conhecer a matéria, mais fácil será a prova e mais gols você fará, com menos ‘chutes’” (os grifos são meus, feitos nesta data).
Vou mandar essa questão de múltipla escolha para você tentar acertar. Vamos lá, leia o enunciado e escolha a alternativa correta.
O que é melhor quando o aluno não sabe uma questão:
(a) não chutar, diminuindo a chance de ser aprovado;(b) chutar de qualquer jeito, sem raciocinar; ou, (c) chutar com consciência, utilizando seu conhecimento residual e/ou a heurística?
Eu recomendo ao aluno que estude, mas, na prova, se precisar, que seja inteligente. Inteligência, em seu melhor conceito, é “adaptação em busca da felicidade” (Luiz Machado, neurocientista brasileiro). Aliás, atribui-se a Albert Einstein, Nobel da Física de 1921 e Prêmio Max Planck de 1929, a preciosa lição de que a “imaginação é mais importante do que o conhecimento”. Na condição de professor de concursos, devo ensinar ao candidato como chutar com consciência. Eu sei que esse exercício tem fundamento na Matemática, na Estatística e na Lógica, matérias acadêmicas cujo aprofundamento seria perda de tempo para o aluno de concursos. Eu poderia até mesmo dar a eles uma aula de “conhecimento residual”, “heurística”, “Teoria de Resposta ao Item”, “educated guess”, o que faria muitas pessoas me acharem o máximo, sábio, inteligente, mas acho que seria uma maldade com o aluno, pois ele não precisa saber isso, já tem muito o que estudar, família, pressão, dívidas etc.
A quem quiser se aprofundar em conhecimento residual e heurística, recomendo o trabalho de David Ausubel e do brasileiro Victor Maia, Mestre pela UnB, que desenvolveu modelo matemático que consegue aperfeiçoar a aprendizagem do candidato.
Aquilo que eu chamo de “chute” tem nomes mais pomposos. Pesquise um pouco sobre educated guess. Embora o nome “chute” incomode e possa ter conotação negativa, escolhi o melhor termo para aplicar a fim de que o conceito fosse entendido pela massa. Eu falo para quem faz concurso de juiz, residência médica, auditor, mas também falo para quem faz concurso para outros níveis de escolaridade. Eu trabalho para todos, quero servir a todos. É minha escolha. Não vou escolher nome difícil para ser aplaudido pela academia.
Aproveite e leia um pouco sobre o ensino de Lev Vygotsky que, em resumo, recomenda ao professor se indagar: “Será que realmente conheço os significados e os sentidos de que meus alunos disporão?” Ou seja, cabe ao professor, e não ao aluno, a aproximação. Emende com o que ele ensina sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que trata da importância da relação e da interação entre professores e alunos como fundamento dos processos de aprendizagem.
Enfim, vale anotar que a premissa de que nos concursos públicos “são feitas perguntas que não passam de pegadinhas e exercícios de memorização” não é totalmente verdadeira. É generalização e mostra desconhecimento do trabalho sério que diversas organizadoras realizam, como o Cespe/UnB, FGV, FCC, Esaf etc.
A beleza do “chute consciente” consiste justamente no fato de sua eficácia ter como pré-requisito o conhecimento, o raciocínio e o saber residual.
Aos que criticam os concursos, lembro que nenhum método é perfeito. Por mais sofisticado e equilibrado, é impossível não cometer erros pontuais. A grande pergunta é: que outro método de seleção seria mais justo e republicano? Adaptando a sabedoria de Winston Churchill: “Concurso público é a pior forma de seleção de servidores, à exceção de todas as outras que foram experimentadas”.
Sobre o “beijinho no ombro”, também mencionado em seu artigo –, e que remete o leitor a uma música no YouTube, uma observação. A música é, segundo estudos científicos feitos nas melhores universidades do mundo, uma forma eficientíssima de ajudar na fixação de conceitos. Profissionais do Direito têm dificuldade de aceitar a interdisciplinaridade e de coexistir com outros ramos do conhecimento. O aluno aprender é assunto, antes que jurídico, da Pedagogia, e os mais avançados estudos da Pedagogia e sobre neuroaprendizagem, com farta bibliografia disponível, recomendam a técnica. Ela é antipática para muitos juristas, mas funciona. Os estudos sobre utilização da música para aprendizagem podem ser úteis.
A Universidade de Yale, mais especificamente o Yale Center for Teaching and Learning (Centro de Ensino e Aprendizagem de Yale), publicou matéria que trata do “Active Listening: Teaching with Music” (disponível aqui).
A Johns Hopkins School of Education publicou o artigo “Music and Learning: Integrating Music in the Classroom”, do qual extraio, em tradução livre, dois trechos (disponível aqui):
“A música nos ajuda a aprender porque estabelece um estado positivo de aprendizagem; cria uma atmosfera desejada; constrói um senso de expectativa; energiza as atividades de aprendizagem; muda os estados das ondas cerebrais; centraliza o foco; aumenta a atenção; melhora a memória; facilita uma experiência de aprendizagem multissensorial; alivia a tensão; otimiza a imaginação; alinha os grupos; desenvolve intimidade; fornece inspiração e motivação; acrescenta o fator da diversão e valoriza as unidades orientadas por temas.”
“A TEORIA DA APRENDIZAGEM E A MÚSICA. Teóricos da educação há muito tempo têm buscado respostas para a pergunta sobre qual é a melhor forma para ensinar os alunos a aprender de verdade. Os modelos de ensino têm evoluído e, com certeza, continuarão a ser aperfeiçoados. Algumas das mais avançadas tecnologias de aprendizagem adotam o uso da música para auxiliar na aprendizagem. Quase todos os métodos podem ser melhorados através do uso da música. As orientações fornecidas neste livro podem ajudar os professores e treinadores a aprender como utilizar a música, independentemente dos métodos de aprendizagem que estejam sendo usados. Uma observação especial é dada aqui sobre métodos bem-sucedidos de aprendizagem nos quais a utilização da música é especialmente relevante”.
Agora mesmo, enquanto escrevo esta resposta, e como trabalho com duas telas de computador, conto 20 pessoas aprovadas pelos professores de jiu-jitsu para concursos, ou seja, JUS-JITSU. Que legal! Sabe aquelas bancas imbecis que você vive criticando? Pois é, os professores que ironizou conseguiram fazer, em quatro meses, com que VINTE alunos conseguissem superar injustas e desmedidas exigências. Ipon! 20x.
Sobre músicas, conhecimento residual/educated guess/Heurística/“Chute”, e outras técnicas validadas por pesquisas científicas e pelo estudo da neuroaprendizagem, assim como sobre bibliografia para pesquisa sobre tais temas, direi após, na “Versão do Diretor” da presente resposta, que publicarei tão logo tenha tempo.
No ramo dos concursos, cujos professores você vem criticando repetidamente em palestras, não existe estabilidade. Professores mal preparados não se criam, porque vivemos de resultados práticos e imediatos no mundo real. Não temos Capes, ABNT nem Lattes, não temos que ter publicações, mas aprovações. Ou ensinamos o que é necessário de um jeito que o aluno aprenda, ou estamos fora. Acho justo. Anoto que não tenho nada contra Capes, ABNT e Lattes, aprecio tudo o que trazem de bom dentro de seus espaços. Nem todo mundo precisa saber as coisas do mesmo modo que praticadas na academia. Cada saber para sua caixinha. Os outros não precisam ser feios para você ser bonito: há no mundo espaço para as mais variadas belezas. A academia é bela, e o cursinho também, desde que cada um saiba bem o seu lugar e, nele, cumpra bem o seu papel.
Como disse o Professor Marcelo Hugo da Rocha, no artigo Esquematizado, sistematizado, descomplicado e outras simpatias (disponível aqui):
“Não é nosso objetivo julgar como são realizadas as provas e exames, até porque não vislumbramos um modelo praticável na visão de Streck (e que também não oferece uma solução), mas elas estão aí selecionando candidatos para o bem ou para o mal e ninguém ficará eternamente se preparando com a leitura de notas de rodapé, citações em alemão, francês e italiano.
Portanto, não há dúvidas que discordamos de Lenio Streck quando diz que a culpa é da tal indústria sucateada quando se refere aos livros (se é que estão sendo) consultados pelos acadêmicos de ‘Direito’ (como prefere, entre aspas). Como foi dito antes, o propósito do mercado editorial preparatório foi atender a uma parcela que precisava otimizar seu tempo, calibrar o seu foco, o suficiente para alcançar o objetivo final: a aprovação. Seja esquematizado, sistematizado, descomplicado, qualquer que seja a simpatia para ser APROVADO, é legítima a oferta. Quanto à procura, veja que a ‘prateleira’ (ou tela do computador ou tablet) de uma livraria é um espaço democrático, onde a escolha do conhecimento é livre, e quem escolhe não é a editora ou o autor, principalmente, com os modernos sistemas de buscas à disposição por títulos, ISBN, ano da publicação, DNA da autoria, nome da sogra do editor, enfim, por múltiplas escolhas.”
No momento em que critico a forma como trata outros professores, busquei alguém que pudesse citar. Obviamente, dada sua fixação por algumas coisas (livros publicados, prêmios, número de artigos, conceito da Capes etc.), procurei alguém cuja titulação e prêmios, enfim, currículo, pudesse merecer sua confiança.
E achei! Vou usar as palavras do eminente, ilustrado e festejado… Lenio Luiz Streck.
Veja o que Lenio diz na coluna intitulada “Pode um professor, em sala de aula, chamar a outro de ‘idiota’?” (disponível aqui).
Amei seu “abstract”, parabéns! Repito suas palavras mostrando “o problema da falta de ética em sala de aula”, sim, a “sala de aula é lugar do conhecimento. Da ciência. E não da aleivosia. Ou da fanfarronice”.
Lenio diz:
“Na sequência, delicadamente lhe falei que era necessário respeitar a obra dos outros” (grifo meu).
“E, insisto: Como professor de universidade pública, ele não poderia desdenhar de outros professores, […]” (grifos meus).
Claro que essa norma ética não é apenas para professores de universidade pública, nem apenas a tais deve proteger. Ela protege a todo e qualquer professor, não é, Lenio?
Assim, amigo, considerando o que você mesmo escreveu, encerro este item citando Cora Coralina em Vintém de Cobre: Meias Confissões de Aninha: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.
Lenio Streck, no artigo citado acima, disse:
“Nas histórias de faroeste, o pistoleiro experiente sempre tinha um problema novo a cada cidade: um pistoleiro novato fazendo provocação. O novato nada tinha a perder, a não ser a vida ou um dos dedos da mão com que empunhava a arma. Alguns pistoleiros não atiravam para matar. Desarmavam o oponente. A tiros. E lá se ia o velho pistoleiro mudando de cidade, chegando sem alarde, chapéu nos olhos. Oitavado no balcão, rezava para que nenhum provocador aparecesse.
Sinto-me como esse velho pistoleiro. Depois de anos, sempre aparecem novatos para medir forças. O truque mais usado é a ofensa em sala de aula. Recebo muitas notícias com relatos. Até brinco, dizendo: Claro, falar pelas costas é que é bom; pela frente é falta de educação…!”
Tenho más notícias, amigo. Você se sente como um “velho pistoleiro” porque eu e você somos velhos pistoleiros. Veja nossas idades! Veja a sua idade, veja a minha idade! Eu sou um quase cinquentão (4 de junho, aguardo sua ligação, minha camisa é GG, meu número de sapato é 43 ou 11 ½ e os vinhos gaúchos me agradam muito).
O problema, colega, é que seu caso é diferente. Você, na metáfora, não seria o velho e famoso pistoleiro que ouviu provocação. Nenhum pistoleiro novato o procurou. Não. Quando outro professor usou a pistola em sua direção, se ofendeu, fez coluna especialmente para dizer que professor “tem que respeitar a obra do outro”, ser ético, educado, “não desdenhar de outros professores”. Aqui, contudo, foi deselegante com velhos pistoleiros, como eu, e deselegante com os novatos.
Um professor da sua idade, com tantos anos de estrada, deveria ser gentil com a garotada. Deveria lembrar que já foi garoto um dia, lembrar de quando pegava dois ônibus para ir trabalhar na fábrica. Você ficou ironizando um jovem professor que se formou em 2007, logo você, formado em 1980! Que prazer é esse de atirar em alguém que, comparado conosco, velhos pistoleiros, é apenas um menino entrando no Saloon? Essa garotada usa Taser, é de um outro mundo. Além disso não aprecio alguém que, já consagrado, atira desse jeito em quem está no início da carreira e tem menores condições de se defender de “coroas” já estabelecidos, como é o nosso caso, parceiro.
Nem todos estão preocupados com nossos modelos nem se medem pelos mesmos parâmetros, como número de livros, artigos, títulos ou prêmios. A grandeza de um homem-jurista não se mede só nesses termos. Jesus disse que “a vida do homem não consiste na abundância dos bens que possui” (Lucas 12:4) e isso também se aplica aos nossos títulos.
O fato, amigo, é que com a grande inteligência e cultura que possui, suas críticas poderiam ser muito mais construtivas, você poderia ser um dos melhores instrutores de tiro do país, enverga bagagem para isso. Enverga, mas a desperdiça com mais tiros do que conversas amistosas e construtivas no Saloon.
Quantas aulas já deu para os professores aos quais se refere? Refiro-me a esses que você critica como “incapazes de aplicar o Direito” e “mal preparados”. O que falta para você fazer um curso gratuito para melhorar o nível desses colegas? Não me refiro às palestras institucionais gratuitas; o protocolo já manda que não se cobre. Perdoe-me a ignorância se já faz isso, mas quantas vezes estendeu a mão para os “professores mal preparados”?
Dou aulas desde a adolescência, sempre olhei bons e maus professores para aprender o que fazer ou evitar. Dentre as várias classificações possíveis, divido o mundo em professores autocentrados e professores que eu chamo de… professores.
Acho que cabe fazer algumas anotações sobre isso. Vou falar sobre professores em geral. Há professores que são professores para si mesmos, e outros que são professores para os alunos. Há professores que não respeitam os outros jeitos de ser (didática, escopo, público) e aqueles que o fazem. Há professores que sobem no ombro dos seus alunos para ficarem mais alto, e professores que cedem seus ombros para que seus alunos vejam mais longe. Há professores que falam difícil, para si e para seus iguais, querendo com isso revelar ao mundo sua superioridade, e há professores que falam para serem entendidos.
Mas também há mais coisas, caro amigo. Como diz Joseph Campbell, antropólogo, falando a um grupo de professores: “Se vocês realmente querem ajudar este mundo, precisam ensinar como viver nele”. Ou Voltaire, “Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar”, ou Quintana: “Amar primeiro, educar depois, / Esquecer primeiro, aprender depois / Libertar primeiro, ensinar depois”.
A falta de interação é prejudicial até mesmo na genética, ou seja, comunidades muito pequenas sem interações com outras tendem a sofrer com problemas genéticos, mutações teratológicas e redução da imunidade, ficando mais susceptíveis a doenças e agravando o problema a cada geração futura. No meio jurídico não é diferente. Não bastasse a ausência de diálogo interdisciplinar entre o Direito e outras ciências do saber, é raro um diálogo produtivo entre acadêmicos e operadores do cotidiano dos Fóruns. Atualmente, é pobre até mesmo entre os acadêmicos do Direito de escolas diversas. Criticam os concursos sem ao menos corrigirem primeiro seus problemas internos.
A academia, obviamente, mercê dos extraordinários valores intelectuais e morais que possui, também tem feito críticas a si mesma, o que é louvável. Críticas boas, valendo nos recordarmos delas antes de apontar os erros de outros modelos de ensino:
(a) “Soberba acadêmica, um pecado capital”, de Edianne Nobre, do qual extraio a epígrafe: “Muitos de nós, acadêmicos, passamos a vida assim: construindo degraus de ascensão na Plataforma Lattes e afundando nossas chances de mantermos boas relações pessoais” (disponível aqui); e
(b) “Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica”, da lavra da Professora Rosana Pinheiro-Machado, que é cientista social e antropóloga, professora do departamento de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Oxford, cuja epígrafe também copio: “Combater o mito da genialidade, a perversidade dos pequenos poderes e os ‘donos de Foucault’ é fundamental para termos uma universidade melhor” (disponível aqui).
Vamos lembrar que “a soberba precede à ruína; e o orgulho, à queda” (Provérbios 16:17,18). Ou, ainda, “Tens visto o homem que é sábio a seus próprios olhos? Pode-se esperar mais do tolo do que dele” (Provérbios 26:12).
As falhas acima relacionadas, em rol infelizmente meramente exemplificativo, também ocorrem nos três Poderes, não apenas na universidade. A questão é que a universidade deveria ser o lugar onde essas mazelas fossem corrigidas primeiro, o que não só faria dela um lugar melhor, mas também a guindaria imediatamente à condição de referência e autoridade moral perante os outros espaços. Uma referência que a universidade pretende ser, mas que é inviável enquanto ela replicar tudo o que de mais feio acontece lá fora. Como disse Jesus: “Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão, e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho? Como você pode dizer ao seu irmão: ‘Deixe-me tirar o cisco do seu olho’, quando há uma viga no seu? Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão” (Mateus 7:3,5).
Sobre os erros da academia e das pós-graduações, menos falados, mas tão grandes ou maiores que os erros dos juízes e os dos concursos, também direi após, na “Versão do Diretor” da presente resposta, que publicarei tão logo tenha tempo.
Enquanto se preocupa em desfazer de quem ensina as úteis técnicas de chute e de quem faz música, ou Jus-jitsu, não percebe que poderia construir mais pontes e diálogos produtivos. Todos temos ressalvas ao sistema de concursos, mas é um sistema com seus méritos e, mais, tudo é questão de tom e de como fazer uma crítica elegante, construtiva e positiva.
O Professor Luís Roberto Barroso (em palestra na UERJ, ainda antes de se tornar Ministro do STF), ao falar sobre o ensino jurídico, foi indagado sobre o sistema de concursos públicos. Na ocasião, afirmou que apesar de os manuais e livros da área diminuírem a complexidade do Direito e a sua erudição, esse sistema cumpre um importante papel social: possibilita a ascensão de pessoas que não teriam como conseguir sem eles. Afirmou, ainda, que há espaço para a indústria dos concursos e que ela é importante para a democratização do ensino jurídico. É uma ótima visão, na contramão daqueles que prefeririam que o Direito fosse reservado a uma pequena parcela de iluminados. O tempo desse elitismo já passou.
Há alegria além das letras que dominamos, parceiro. Sobre isso, cito a música trem-bala. Ela fica melhor na voz de Ana Vilela, mas destaco algumas frases:
“É sobre cantar e poder escutar mais do que a própria voz […]Não é sobre chegar no topo do mundo e saber que venceu […]É sobre ser abrigo e também ter morada em outros corações / E assim ter amigos contigo em todas as situações […]Porque quando menos se espera, a vida já ficou pra trás […]a vida é trem-bala, parceiro/ E a gente é só passageiro prestes a partir.”
Lamentando mais uma vez o tratamento dispensado, anoto que, diante do “também juiz”, tenho muito orgulho, sim, de ser juiz federal. Estou, junto com minha equipe, premiado por produtividade, rotineiramente em primeiro lugar nesse quesito, conforme diz a Corregedoria do TRF2. A observação é para evitar qualquer suspeita de que “também” ser juiz signifique menos amor, dedicação ou resultados neste honroso e difícil ofício.
Renovo a notícia que tenho apreço por você, Lenio. Apesar de não concordar com os seus modos, continuo me considerando seu amigo. Você mandou tiros de pistola, eu lhe mando flores. Gerânios. O Gerânio é uma flor que traz como significado a harmonia e o carinho. Movido pelo dever cristão e pelo afeto, desde já perdoo o amigo pela indelicadeza comigo, e renovo o convite para que, se quiser, quando estiver em Niterói venha até a 4ª Vara Federal ou à Editora Impetus para tomarmos um café e, quem sabe, sairmos para boa refeição e vinho. Você é meu convidado. Será um prazer estar com você.
Enfim, daquele que serve a quem precisa; daquele que é “até” e “também”; daquele que é seu amigo e o trata pelo nome; daquele que, como você, deseja que parem de fazer questões idiotas; daquele que, ao contrário de você, respeita o trabalho de colegas que seguem outras sendas profissionais no mundo do Direito e dos concursos; daquele que o receberá com um abraço e café ou chimarrão se e quando aparecer.
Um abraço, William Douglas, até professor, e também juiz.
Fonte: Blog Exame de Ordem
Retirado do site: Lenio x Lenio: Uma resposta às reiteradas indelicadezas do Dr. Streck (jusbrasil.com.br)
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